Daniel Cappello
Líder da área de Claims Advocacy
As recentes enchentes no Rio Grande do Sul foram causadas por uma combinação de fatores. De acordo com os meteorologistas, as fortes chuvas que começaram a atingir o estado no dia 29 de abril foram a principal causa das enchentes. Essas chuvas persistentes colocaram o estado inteiro em situação de calamidade. Em 15 dias, o índice pluviométrico acumulado chegou a 800mm em algumas cidades gaúchas, ou 8 vezes o esperado para o mês inteiro de maio. Essa condição climática severa foi principalmente atribuída à ocorrência anormal do fenômeno El Niño no Oceano Pacífico.
Segundo dados da Defesa Civil gaúcha, até a manhã do dia 27/05/2024, 169 pessoas haviam perdido a vida, enquanto outras 108 seguiam desaparecidas. O número total de desabrigados (538.245 pessoas) corresponde a aproximadamente 5% da população do estado, sendo que 77.400 estavam vivendo em abrigos. Mais de 2 milhões de pessoas no estado foram afetadas pelas inundações.
É importante ressaltar que as enchentes no Rio Grande do Sul tiveram impactos econômicos significativos. As enchentes estão sendo consideradas o maior desastre climático já visto na história recente do país e podem ameaçar o objetivo de crescimento econômico superior a 2% em 2024.
Cerca de 94,3% de toda a atividade econômica do estado foi afetada pelas enchentes, resultando em grandes prejuízos financeiros. Além disso, quase 90% dos 497 municípios gaúchos foram atingidos pelas fortes chuvas. A zona agrícola, responsável por 12,6% de tudo que é produzido no Brasil, foi uma das mais afetadas.
O crescimento dos sinistros de desastres naturais tem sido significativo nos últimos anos. De acordo com relatórios da indústria de seguros, as perdas econômicas causadas por desastres naturais têm aumentado consistentemente. Por exemplo, entre 2000 e 2019, as perdas econômicas globais causadas por desastres naturais aumentaram de cerca de US$ 100 bilhões para mais de US$ 200 bilhões por ano, em média. Parâmetros internacionais indicam que as perdas materiais resultantes de um grande desastre natural podem alcançar até 1,6% do PIB do país atingido.
Esse crescimento pode ser atribuído a uma combinação de fatores, incluindo o aumento da exposição a riscos naturais devido ao crescimento populacional e ao desenvolvimento urbano em áreas propensas a desastres, bem como as mudanças climáticas que podem intensificar a frequência e a gravidade de eventos extremos. É importante ressaltar que esses números podem variar de ano para ano, dependendo da ocorrência de eventos específicos e de sua magnitude
De acordo com pesquisas, o montante de sinistros pagos por desastres naturais em 2023 foi de mais de US$ 250 bilhões, de acordo com estudo realizado pela Munich Re. Além disso, no Brasil, os desastres naturais causaram prejuízos de R$ 502,4 bilhões nos últimos trinta anos, de acordo com um levantamento feito pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), sendo quase 20% dessas perdas ocorridas no estado do Rio Grande do Sul.
Problemas estruturais também contribuíram para a tragédia. As estruturas existentes para proteção contra inundações, como diques, comportas e bombas, não recebem manutenção adequada ou sequer são renovadas há décadas. Isso ficou evidente durante o desastre, especialmente em Porto Alegre, onde o limite de proteção foi ultrapassado.
De acordo com o Índice de Risco de Alagamento da Marsh McLennan (Marsh McLennan Flood Risk Index), a superfície das áreas urbanas, rurais e de infraestrutura ameaçadas por inundação é prevista para dobrar em um cenários de aquecimento global de 2°C. O Brasil se encontra numa posição acima da média da América Latina, neste índice, em relação aos riscos de alagamento.
O risco de inundações é crescente e alarmante, impondo ações urgentes de transformação. Estudos da Marsh McLennan indicam que 15% da população brasileira atualmente está sujeita a alagamentos, e este percentual cresce gradativamente com o aquecimento do planeta. Os investimentos para reverter e controlar as inundações não são compatíveis com o crescimento deste risco no mundo.
Como a empresa responde a um desastre natural terá impacto na sua agilidade em retornar aos negócios, além de propiciar fluidez do processo de regulação dos sinistros pelas companhias de seguros.
Estudo conduzido pela consultoria Pentland Analytics comprovou que empresas que sofreram inundações severas enfrentam queda média de 5% nos valores de suas ações nos 12 meses seguintes ao sinistro. Foram investigadas 71 grandes empresas com faturamentos mínimos de US$3 bilhões e com ações negociadas em bolsas de valores, nos quatro continentes, e que experimentaram grandes alagamentos nos últimos 5 anos. Inundações também são causa crescente do deslocamento de populações em grande escala, fato que gera prejuízos aos negócios locais.
O relatório conclui que os investidores avaliam que os impactos da disruptura aos negócios causada pela inundação, afeta a reputação da empresa, sua participação no mercado e seus planos de crescimento, associando o problema mais à uma falha no gerenciamento de risco do que uma má sorte.
Estudos conduzidos pela Marsh e pela Cranfield University em 2018, evidenciaram que empresas que possuíam planos efetivos de resposta à crise tiveram um retorno mais rápido aos valores de suas ações após um evento.
A resiliência operacional importa. Além de causar mortes e destruir casas, as catástrofes interrompem os negócios dos quais as pessoas dependem para sobreviver - como hospitais, empresas farmacêuticas, provedores de comunicação, geradores de energia, distribuidores de alimentos, empreiteiros e empregadores do dia a dia que geram riquezas para seus funcionários - muitas vezes o único instrumento financeiro viável em um desastre.
O primeiro passo para lidar com riscos de desastres naturais, incluindo inundações, é a identificação se sua empresa se localiza dentro de uma área de risco. Para tanto, diversas ferramentas estão disponíveis, incluindo a Defesa Civil e a Secretaria de Águas e Saneamento do seu município. Esteja atualizado de qualquer grande projeto, incluindo de infraestrutura, na sua região e como isso pode afetar o risco de alagamento.
Dentre outros, o Serviço Geológico do Brasil – CPRM disponibiliza em seu site da internet (Cartas de Suscetibilidade) Cartas de Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundações que apresentam os níveis de risco a desastres naturais para os municípios brasileiros localizados em áreas consideradas críticas em termos de fenômenos geológicos-geotécnicos e hidrológicos, tais como deslizamentos, enchentes, erosões e solapamento de margens.
O Mercado de Seguros também estuda detalhadamente os riscos de desastres naturais e desenvolveu diversos mapas com a localização de áreas expostas às inundações, tais como a FMGlobal (FM Flood Map) e a Munich Re (MunichRE Nathan NatCat Map).
Se o seu negócio estiver exposto à enchentes, um Plano de Resposta a Emergência para Inundação (PRE-Inundação) deve ser desenvolvido e implementado, o qual avalia as características da região e as vulnerabilidades da propriedade para esse risco. O PRE-Inundação deve prever o monitoramento constante de cursos d’água, o estabelecimento de medidas de proteção físicas, tais como diques, comportas, sistemas de drenagem e bombeamento, reservatórios, entre outros aplicáveis a cada caso. Os procedimentos de inspeção, testes e manutenção dos recursos de proteção contra enchentes também devem fazer parte do conteúdo de um PRE-Inundação robusto.
Os estudos resultantes da implementação de um PRE-Inundação também podem indicar a necessidade de se modificar a localização de estoques ou conteúdos de alto valor ou sensíveis a danos por água, equipamentos críticos à produção, alteração de rotas de fuga, entre outros. Níveis abaixo do solo devem ser particularmente estudados.
Na iminência de uma inundação, estabeleça uma equipe para lançar monitoramento permanente sobre as condições hídricas dos arredores, mova estoques e outros itens valiosos para áreas altas, desligue a alimentação elétrica, feche as válvulas de suprimento de gases e líquidos inflamáveis.
Utilize sacos de areia para bloquear o acesso da água aos prédios principais e processos críticos, incluindo casa das bombas de incêndio.
Também procure proteger fisicamente válvulas críticas à segurança do empreendimento com barreiras contra impactos de escombros. Caso seu sistema de proteção contra incêndio, incluindo alarmes e detectores de incêndio, fique inoperante em decorrência da inundação, notifique imediatamente sua seguradora.
Certifique-se que os equipamentos ao ar livre estejam devidamente afixados sobre suas bases. Maquinário pesado deve receber impregnações de agentes repelentes de água e anticorrosivos. Tanques que estejam vazios devem ser preenchidos, incluindo aqueles enterrados.
Verifique o estado das calhas, dos telhados e do sistema de drenagem. Identifique pontos de possível retorno de águas pluviais ou esgoto para dentro de suas instalações. Coloque em prontidão seus prestadores de serviço, incluindo aqueles dedicados aos trabalhos de manutenção. Se possível, aumente o nível da segurança patrimonial para o seu imóvel.
Não menos importante, notifique seus colaboradores sobre o risco de inundação iminente, ative os membros do seu PRE-Inundação e assegure que todos estejam em segurança. Demarque os locais da empresa considerados seguros para pessoas e acessos de veículos de emergência.
Lembre-se sempre de incluir o cenário de inundação ao seu Plano de Continuidade dos Negócios, caso suas instalações ou de seus fornecedores/clientes chave estejam dentro de zonas sujeitas a alagamento.
Durante uma enchente, é importante priorizar a segurança pessoal e seguir algumas medidas de precaução. Aqui estão algumas orientações gerais sobre o que fazer durante uma enchente:
Lembre-se de que cada situação de enchente é única, e é importante seguir as orientações específicas fornecidas pelas autoridades locais.
Após uma enchente, voltar aos negócios pode ser um desafio, mas existem algumas etapas que a empresa pode seguir para ajudar na recuperação. Aqui estão algumas sugestões:
Lembre-se de que cada situação é única e pode exigir abordagens específicas. É recomendável buscar orientação de profissionais especializados, como engenheiros e consultores de seguros, para ajudar na recuperação após uma enchente.
A história comprova a efetividade de um Plano de Continuidade dos Negócios (PCN) para se atingir a resiliência operacional. A existência de um PCN adequado indica que você mitigará sua perda e se recuperará mais rapidamente. Quanto mais rápido for sua recuperação, mais rápido você poderá voltar aos negócios. E isso é bom para seus clientes, parceiros, investidores e colaboradores.
A ativação do PCN deverá acontecer assim que houver a confirmação do risco da interrupção por um prazo prolongado, em decorrência de uma inundação iminente, ou outro gatilho definido pelo Comitê de Continuidade de Negócios. E a estratégia de recuperação deverá ser reavaliada caso se verifique que recursos e empresas previstas no PCN estejam localizadas em regiões que também serão afetadas pelo evento.
Em segundo lugar, com tudo documentado e a comunicação estabelecida, sua seguradora será capaz de agilizar o processo de regulação do sinistro, até mesmo antecipando indenizações. Pagamentos antecipados podem e devem ser feitos no início do sinistro e conferem ajuda crítica ao restabelecimento dos negócios.
Consulte seu PCN para Inundação. Se você tem um PCN implementado e testado para o cenário de inundação e uma equipe interna dedicada de resposta a crises, parabéns. Ative o plano, confie na equipe e esteja pronto para fazer ajustes conforme necessário. Alguns elementos comuns em um PCN incluem:
Por fim, projete cuidadosamente o seu programa de seguros. Quando projetado e implementado corretamente, o seguro desempenha um papel vital na catalisação da adoção de intervenções de resiliência. Com estratégias integradas que vinculam a transferência de risco a medidas de redução de risco, as seguradoras podem fornecer incentivos para promover a implantação de intervenções de resiliência.
Líder da área de Claims Advocacy