Andre Dabus
Director of Infrastructure, Construction and PEMA, Marsh Brasil
Os fenômenos naturais severos provocados pelas mudanças climáticas têm impactado significativamente toda sociedade, e em especial o setor de infraestrutura e construção. Para além dos eventos ordinários, relativos aos fenômenos climáticos que podem ser previstos com base em históricos e estatísticas fornecidas por órgãos e entidades renomadas, atualmente, estamos lidando também com eventos climáticos extraordinários, que se referem fenômenos da natureza severos e inéditos, difíceis de serem mensurados e previstos. Eles têm ocorrido com mais frequência e desafiado as melhores práticas de mapeamento e transferência de riscos.
Um exemplo recente foi o temporal devastador que ocorreu em fevereiro de 2023 no Litoral Norte de São Paulo. O volume de chuvas recorde foi o maior registrado em 24 horas na história do Brasil, segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Como consequência, os alagamentos e deslizamentos de terra deixaram um saldo de dezenas de mortos, milhares de desabrigados, estradas destruídas e bloqueadas.
Na concepção dos projetos de infraestrutura e obras de engenharia em desenvolvimento na região, certamente nenhum deles havia considerado como premissa a possibilidade de ocorrência desse nível de precipitação, porque até então não havia histórico anterior. Em um dia, a área foi atingida por uma quantidade de chuva equivalente a 640 mm – três vezes mais do que os 179mm registrados durante a chuva mais intensa dos últimos anos, ocorrida em 2014.
Diante da ausência de dados históricos sobre um volume de precipitação tão alto, é praticamente impossível prever a ocorrência desse tipo de fenômeno e se planejar adequadamente para enfrentá-lo. Considerando que fatos semelhantes poderão ser repetidos, surge a necessidade de revisitar os fundamentos na elaboração de estudos e projetos de infraestrutura e de engenharia, reforçando a proteção para enfrentamento não somente dos fenômenos ordinários, quanto desenvolver novas ferramentas para garantir a resiliência e a sustentabilidade, frente aos eventos climáticos extraordinários.
Essa tarefa é relativamente mais fácil, uma vez que os contratos de execução de obras de engenharia , concessões e PPPs já possuem mecanismos de alocação de riscos , incluindo fenômenos climáticos, também conhecidos como “ caso fortuito e/ou de força maior”, que estabelecem, em linhas gerais, que o contratado/ concessionário, somente terá direito ao reequilíbrio do contrato, na hipótese de eventos não seguráveis por seguradoras estabelecidas no Brasil, ao tempo da ocorrência destes eventos.
Por exemplo: recentemente publicamos um estudo da Marsh McLennan sobre riscos de inundação ao redor do mundo, sinalizando que, nas próximas décadas, algumas áreas do litoral brasileiro poderão ficar submersas. Na hipótese deste fenômeno se materializar e provocar prejuízos ao concessionário de uma rodovia, se anteriormente fosse possível a contratação de apólices de seguros para proteger este tipo de evento e o concessionário optou em não contratar, não poderá pleitear reequilíbrio do contrato de concessão, com a transferência do prejuízo causado aos bens que integram a concessão e ao Poder Concedente.
Para evitar disputas contratuais, recomendamos o aprimoramento das cláusulas e dispositivos previstos em projetos de infraestrutura, transferindo ao concessionário somente as consequências econômicas, financeiras, sociais e ambientais da materialização dos Riscos Ordinários, transferindo ao Poder Concedente as consequências dos Riscos Extraordinários, desde que não possam ter sido objeto de contratação de seguros no Brasil ao tempo de sua ocorrência.
Com base em lições aprendidas, os projetos de Infraestrutura, devem ser concebidos e estruturados com base em 5 pilares de sustentação::
1. Estudos técnicos e de engenharia: Os estudos técnicos de engenharia dão corpo e robustez aos projetos de infraestrutura, e são necessários para atestar a viabilidade técnica, econômica e financeira da implantação do projeto, quais os benefícios para a sociedade, os principais obstáculos a serem vencidos, os riscos envolvidos , os recursos necessários, dentre outros fatores para sucesso do empreendimento. Devem ser elaborados por empresas especializadas e renomadas.
2. Estrutura de funding: os projetos devem identificar com clareza o montante dos recursos necessários para contratação de fornecedores de produtos e serviços. Tais recursos, podem ser obtidos através do Corporate Finance (quando a estrutura de capital do acionista é utilizada na obtenção dos financiamentos e garantias ao financiador) ou via Project Finance (quando a estrutura de recebíveis do projeto será a base para obtenção dos financiamentos e garantias, sem a necessidade (non recourse), ou necessidade limitada da estrutura de capital do acionista (Limited recourse)
3. Modelagem jurídica: é a composição dos arranjos contratuais que definem os direitos e obrigações de todas as partes envolvidas no projeto, sejam elas de natureza pública ou privada. Para atribuir as responsabilidades das partes envolvidas, é importante analisar a matriz de riscos, bem como o conteúdo desses contratos e a forma como foram concebidos, alocando os riscos para a parte melhor preparada e capacitada para absorvê-los.
4. Mecanismos de mitigação e transferência de riscos: Após conclusão das 3 etapas anteriores, e com base na matriz de riscos, é hora de identificar e estabelecer mecanismos de mitigação e transferência de riscos ordinários e extraordinários para amenizar os efeitos econômicos e financeiros caso os riscos se tornem eventos reais. Esses mecanismos podem ser contratuais, ou seja, previstos nos contratos: cláusulas de reequilíbrio, multas e penalidades, ou extracontratuais , tais como apólices de seguros, garantias e ou fianças bancárias.
5. Estrutura de garantias: Também deve ser estabelecida com base na análise da matriz de riscos do contrato, visando a proteção do contratado e o contratante relacionadas a inadimplências contratuais. Na ótica do Poder Concedente/Contratante, estes poderão exigir seguros garantia e/ou fianças bancarias, garantindo o preço, prazo e qualidade dos produtos e ou serviços oferecidos pelo Concessionário/Contratado. Já na ótica do Contratado/Concessionário, tratando –se de ente privado, poderão ser previstos Seguros Garantia e Fianças Bancárias, no entanto, tratando-se de garantias do Estado para o Privado deverão seguir os mecanismos previstos em Lei.
Eventos Climáticos Extraordinários: como superar esse desafio na modelagem dos projetos de infraestrutura?
Mesmo seguindo todas premissas citadas acima, a incidência de fenômenos climáticos extraordinários poderá desestabilizar completamente a estrutura dos contratos e andamento dos projetos de infraestrutura – e onde reside um dos principais desafios do setor. Afinal, como definir uma cobertura de seguros adequada a proteção dos bens que integram uma concessão, bem como a transferência de riscos eficiente em um cenário tão imprevisível?
Apesar da existência de ferramentas voltadas à identificação de eventos catastróficos, ainda há muitas dúvidas a serem esclarecidas. Enquanto não encontramos uma solução adequada, a inclusão nos contratos de mecanismos de compartilhamento de riscos é o melhor antídoto para este sintoma.
O primeiro passo é considerar nos projetos de infraestrutura que os fenômenos climáticos extraordinários podem ser objeto de reequilíbrio dos contratos, mesmo na hipótese de existência de seguros para estes eventos no Brasil, ao tempo de sua ocorrência, haja visto que quando da definição do montante a ser coberto pelas apólices de seguros, não havia histórico anterior que permitisse as partes envolvidas a estimativa adequada do cenário de perdas catastróficas.
Como regra geral, o contratado/Concessionário deveria assumir somente as consequências econômicas, financeiras, ambientais e sociais decorrentes da incidência dos riscos ordinários, sendo que os riscos extraordinários ser deveriam ser assumidos pelo contratante/Concedente , ou até mesmo, em casos específicos, compartilhados entre ambos. O ideal é estruturar os mecanismos de transferência de risco de forma equilibrada, pois não adianta atribuir uma responsabilidade a parte que não terá capacidade de suportá-la.
Considerar que o contratado/Concessionário possa assumir os fenômenos climáticos extraordinários, poderá inviabilizar totalmente o projeto de infraestrutura, por alguns motivos:
Não há histórico anterior que permita a precificação adequada dos contratos de seguros.
Os Mercados Segurador e Ressegurador possuem limitações para assumir riscos em seus contratos, e precificam os mesmos com base em seu histórico de perdas e tendências futuros. Mesmo assim, considerar que poderão assumir todo e qualquer evento climático extraordinário é o mesmo que acreditar que o contratado/concessionário terão capacidade para absorvê-los, sem que haja impacto a sobrevida do contrato.
Atualmente encontra-se em discussão diversos aprimoramentos regulatórios e já observamos novos dispositivos contratuais prevendo a alocação de riscos extraordinários em alguns contratos de concessão de rodovias. Por ora, é imprescindível que todos operadores, investidores e atores do setor de infraestrutura fiquem atentos à evolução dos fenômenos climáticos severos, intensificando cada vez mais o mapeamento de riscos ordinários e acompanhando as práticas recomendadas para prever e compartilhar adequadamente os riscos extraordinários.
Director of Infrastructure, Construction and PEMA, Marsh Brasil